Luiz Ruffato na BVL
Postado em 18 DE agosto DE 2016Natural de Cataguases, em Minas Gerais, Ruffato falou que é filho de pais analfabetos, trabalhou como torneiro mecânico e acredita que num país com uma sociedade hierarquizada, sua trajetória é incomum. Afirma que na sua maior parte, os escritores brasileiros são filhos de uma classe média. “É essencial insistir na tecla de onde eu vim e como ela dá o tom do que eu escrevo”.
Ele descobriu a literatura de uma maneira estranha e curiosa. Ao entrar num colégio de elite foi hostilizado pois era filho de um pipoqueiro, ao passo que os colegas eram de famílias abastadas. Ali, ele procurou um lugar onde pudesse se esconder. Achou esse espaço, a biblioteca. Incentivado por uma funcionária, passou a ler. E começou a pegar gosto e pensar que existia um mundo muito maior do que Cataguases. Decidiu em ir embora e não ser operário das fábricas locais.
Mas nem toda a trajetória é regular. Fez o curso de tornearia mecânica no Senai, e formado, mudou-se para Juiz de Fora para trabalhar na indústria. Sua mudança de percurso se daria quando ingressou no jornalismo numa universidade pública e virou repórter na imprensa mineira. Ao terminar a graduação, veio para São Paulo e trabalhou no Jornal da Tarde e no O Estado de S. Paulo. Em seu primeiro mês na metrópole, ‘dormia’ na rodoviária do Tietê, já que não tinha dinheiro para pagar um aluguel.
“Era um péssimo repórter, mas tinha uma estratégia. Chegava na redação quando todo os colegas já tinham recebido a pauta. Aí ficava na sede e reescrevia textos ou editava. O pessoal gostava e fui ficando na ‘cozinha’ do jornal. Acabei trabalhando com jornalismo, mas nunca foi uma profissão que gostasse. Sempre foi uma forma de pagar as contas, embora acredite que o jornalismo é uma das coisas mais importantes de uma democracia”.
Na sequência, Ruffato lembrou do polêmico discurso na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, em 2013. Lá ele falou sobre a formação da sociedade brasileira: um país machista, racista, homofóbico e que nasceu do estupro de mulheres índias e negras. “Isso não é nada de novo. Muitos colegas disseram que falar das nossas mazelas não foi de bom tom. Mas se não for para discutir ideias numa feira do livro, vamos discutir aonde? Numa feira agropecuária?”.
No Segundas Intenções, o autor também falou que não gosta de uma leitura enviesada de sua obra, a qual muitos classificam como política por abordar a luta de classes e criar um painel social do país. Sobre isso, afirma que tem dois discursos: o político é do cidadão, o literário é do escritor. E que não gosta que seus livros tenham uma única possibilidade de leitura.
“Não é uma literatura de segunda mão. Faço literatura com L maiúsculo. Não é menor por contar com personagens que são de classe média baixa. Eles não são planos e sim complexos. São oprimidos, mas também oprimem. Eu prefiro pensar que muito mais do discutir classe social ou ter um viés sociológico, eu uso a escrita - que para mim é linguagem e ritmo - para discutir todas questões num nicho específico. Nunca aceitei que a minha obra fosse adjetivada”, comentou.
Sobre a pentalogia Inferno provisório, que levou dez anos para ser escrita, afirma que a literatura brasileira representa muito bem o mundo rural, mas o lado urbano tem lacunas. Existem os livros que descrevem a classe média alta, os bandidos, mas não os trabalhadores. “Eu não vejo representado na literatura brasileira os meus amigos, os meus pais, as pessoas que estão a minha volta. Eles não existem, são invisíveis”.
Esse foi o estalo para iniciar o projeto. Um dos desafios era adaptar a linguagem, a forma e a questão psicológica. Para isso, não podia usar a estrutura do romance burguês. Buscou em Machado de Assis uma solução. Começou a ler os autores que influenciaram o gênio brasileiro e descobriu uma tradição literária do anti-romance burguês, se identificando com autores formalistas. Pegou essa carona nessa ideia e escreveu o livro de contos Eles eram muitos cavalos como um caderno de exercício de formas narrativas. Queria encontrar uma linguagem adequada para o Inferno provisório.
Comentou ainda sobre seus mais recentes lançamentos como De mim já nem se lembra (2007), Estive em Lisboa e lembrei de você (2009) e Flores artificiais (2014). São obras que falam de imigração, desenraizamento, desterritorialização e não pertencimento. Acha que temos atualmente a maior população em trânsito da história da humanidade, um fruto da globalização e de questões econômicas. Sua obra também aborda a ditadura militar que assombrou o Brasil na década de 60 a 80.
O autor também falou sobre as diversas antologias que organizou (foram cerca de 15), sobre os baixos hábitos de leitura dos brasileiros e o contraponto com o nosso pujante mercado editorial, que é necessário criar uma escola de qualidade e interessante para os alunos, de como o país celebra esforços individuais como tentativas de mudança. “É o único país do mundo em que a exceção vira exemplo”.
Falou também de sua rotina de escrita, “escrevo em qualquer lugar”; do papel do escritor na sociedade, “temos que discutir a literatura em qualquer espaço”; e deu dicas para aspirantes a escritor, “a profissão não tem nenhum glamour”; que sua geração forçou uma abertura do mercado, mesmo que intuitivamente, “a gente aparecia no jornal, mas não tinha nada publicado”; que a Flip foi um marco importante para uma mudança da imagem do escritor junto ao público, “mas ainda a gente escreve e fala pra poucos”, respondendo às perguntas da audiência.
Confira o vídeo na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=cjaKvVOWStk